RELÍQUIAS SINFÔNICAS DE UM MESTRE

O Estado de S. Paulo - 8/6/2009 - Por Livia Deodato


As arrastadas décadas que este precioso material enfrentou, oculto, justificam-se por uma característica muito particular do mestre Pixinguinha (e da maioria dos maiores gênios da História): a humildade extremada, que o levou a esconder os arranjos sinfônicos que fez para belíssimas composições. "Ele não alardeava o que fazia. Pixinguinha era humilde até demais", diz Marcelo Vianna, de 40 anos, neto do criador das eternas Carinhoso, Lamentos e Um a Zero. Ainda que muitos insistissem em chamá-lo de maestro, a recusa em aceitar o título já fazia parte do discurso de Pixinguinha - para ele, Villa-Lobos, Radamés Gnattali, Guerra-Peixe e Claudio Santoro eram os verdadeiros regentes da música brasileira, que ele, à época, disfarçou ser capaz de orquestrar com trânsito livre e primoroso, entre o erudito e o popular.Ouça Paciente e Caboclo do MatoPartituras completas, outras pela metade, algumas sem grades para maestros e uma infinidade de gêneros musicais ficaram muito bem guardadas na estante de seu filho, Alfredo da Rocha Vianna Neto, pai de Marcelo, desde a morte de Pixinguinha, em 1973. A fim de continuar a preservá-lo, Alfredo só apresentou parte do material para músicos próximos e a seus filhos. "Quando vi aqueles arranjos sinfônicos, quase enlouqueci. Desde então, eu ?moro? nesse acervo", conta Marcelo. A dificuldade vergonhosa em se obter patrocínio foi o outro motivo para esse material ter permanecido por pelo menos dez anos na etapa de pré-produção. "Queria poder me sentar ao lado do presidente Lula para ver se, assim, consigo o apoio necessário para gravar tudo, de cabo a rabo", faz seu desabafo.O projeto intitulado Série Pixinguinha, que se inicia agora com três CDs surpreendentes - Sinfônico, Sinfônico Popular e No Cinema -, ainda guarda bemóis, sustenidos, semibreves e colcheias aos montes, delicadamente postados nos pentagramas a compor músicas para ouvir e chorar. "Temos material mais do que suficiente para ser lançado em, no mínimo, dez álbuns", revela Marcelo sobre as folhas escritas à mão entre os anos 20 e 50 que, há também cerca de uma década, estão sob cuidados do Instituto Moreira Salles. Vale acrescentar que nem todas as partituras são inéditas: muitas delas foram desenhadas às pressas por Pixinguinha, durante as madrugadas, horas antes de virarem música através de orquestras das rádios.O trabalho, que agora vem à tona em uma tiragem exclusiva de 3 mil CDs e 1 mil caixas de "colecionador" (não há motivo para desespero: uma nova leva já está sendo providenciada pela produtora Lu Araújo), foi gravado no Estúdio Sinfônico da Rádio MEC, no Rio, mesmo local em que Pixinguinha regeu nos anos 30 e 40, e também no Teatro Santa Isabel, do Recife, onde o mestre do choro, da polca e do maxixe também fincou raízes. "Gilberto Gil me disse: ?Temos de descolar Pixinguinha dele mesmo?. Desejamos que esse material se perpetue por meio de músicos brasileiros e internacionais", torce Lu Araújo.Música não é só sentimento, é conhecimento, costumava afirmar Pixinguinha. O neto acredita e os arranjos sinfônicos provam que a intuição transbordante do mestre tinha mesmo de ser escorada pela técnica, para que ele não se perdesse dentro de sua mente brilhante.

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